BICHOS – Exposição de Fernando Cardoso

17Nov(Nov 17)19:0027Jan(Jan 27)17:00BICHOS – Exposição de Fernando Cardoso

detalhes do evento

Museu de Artes e Ofícios
Abertura 17.11.2023 de 19h às 22h
Visitação de 18.11.23 a 27.01.2024
Terça a Sexta de 11h às 16h Sábado de 09h às 17h
Obs.: o Museu não estará aberto entre os dias 25 de dezembro 2023 e 08 de janeiro de 2024.

BICHOS – exposição de Fernando Cardoso

Cachorros, baleias, monstros, serpentes, cavalos, aves, homens, todos bichos, enfim, parece que vieram, de um fundo de água e sono, pra ocupar o espaço em torno de nós. É possível que estivéssemos dormindo quando apareceram ou pode ser outra coisa: sabe as vezes em que você aperta as pálpebras fechadas e umas manchas surgem, permanecendo mesmo depois dos olhos se abrirem? É essa espécie de irrealidade visível, formigando as retinas, que Fernando Cardoso constrói, é uma invasão igual à experiência dos momentos iniciais da manhã, depois de despertarmos, assolados por sonhos com rostos e focinhos.

Algumas das figuras cruzam seu olhar com o nosso, outras desviam-se pros cantos. Do jeito que for, traça-se, nesses panos suspensos, um território que vai além da superfície da qual os bichos emergem. Mas onde eles nascem?
Fico pensando que a memória tem tanto de nítido quanto de esgarçado, como as bordas dos tecidos no conjunto de desenhos. A memória tem também alguma distorção de si própria. Então volto às manchas nos olhos que foram fechados, apertados. Alguma imagem antiga ficou por ali e foi remodelada, quando cerramos as pálpebras, em borrões diversos de sua forma original. Fernando me disse que a impressão de fantasia dos trabalhos brota das lembranças mais palpáveis, principalmente as da infância. A égua que morreu no bairro Cachoeirinha, na esquina de casa, com a barriga inchada de esquecida por dias, a bacia posta embaixo do caixão da vizinha Dona Belmira, guardando os líquidos que escorriam do corpo no velório caseiro, a família perseguida pela PM na ditadura militar, esperando a morte de seu cachorro, fuzilado pelos policiais em castigo por serem os donos gente subversiva (a subversão fundamental, desde lá até hoje, é ser pobre) são parte do rio de recordações que o artista torce e transforma em outras imagens, como aquelas máculas que se formam em nossas vistas quando as tampamos com força. Tudo isso, aliás, já estava presente, de certa maneira, na manifestação mais trivial do menino que, aos cinco anos de idade, ia tomar injeção e dizia: “foi uma delícia”. Desde essa época, Fernando costumava traduzir o trágico ou o ordinário nalgum tipo de beleza.

O tecido que ele usa em seus desenhos possui uma fragilidade, uma falibilidade de memória. Daí prestar-se tão bem a isso de tirar maravilha do horror, do precário, construindo, pela inexatidão das lembranças do que é feio e doído, um universo de deleite. É um hedonismo vindo da merda, onde a aquarela tem a propriedade mágica da transformação, semelhante aos primeiros artistas, os da chamada Pré-História, que atiravam flechas nas paredes das cavernas pra atingir a pele da caça que acreditavam estar viva lá em suas pinturas.

Retorno às tais manchas mencionadas anteriormente. Quando vamos dormir, por exemplo, atrelados ainda aos acontecimentos do dia antes do desmaio final, vemos as mesmas formas irreais que se montam nos olhos fechados. Elas ficam dançando. “Essas manchas não existem, não são nada” – é o que você pensa, mas vai passar a vida inteira apertando as vistas, fechando e abrindo os olhos e elas vão voltar. Como os bichos do Fernando.

Marta Neves

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Tempo

Novembro 17 (Sexta-feira) 19:00 - Janeiro 27 (Sábado) 17:00(GMT-03:00)

Localização

Museu de Artes e Ofícios

Praça Rui Barbosa, 600 - Centro

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